Mas há outros preconceitos que são mais difíceis de serem identificados. Por exemplo, quantas das mulheres ocupam cargos de chefia ou quais as reais possibilidades de um negro chegar à presidência de uma grande empresa (ou do Brasil)?
Mas esses preconceitos, por tristes que sejam, ainda assim são mais fáceis de serem identificados do que outros ainda mais sutis. Por exemplo, tamanho, pele e peso. Qualquer pessoa que já entrou em uma consultoria ou em um conselho de empresa já deve ter percebido que raramente haverá um homem com menos de 1,80m. Entre dois candidatos, um com acne e outro sem, o com acne quase sempre será preterido em relação ao sem. Um com barba muitas vezes será preterido em relação ao sem.
Mas existem preconceitos que são tão sutis que sequer são consideramos preconceito. Alguns entram sorrateiramente nas leis (como no caso da dentição/queixo mencionada na manchete acima). Outros, são ainda mais difíceis de sabermos onde a discriminação acaba e a inclusão começa (ou vice-versa). Um exemplo simples pelo qual a maior parte de nós já passou:
Imagine que você está na fila de check-in para um vôo. Você é uma mulher que pesa 60kg e está carregando uma mala cheia de livros que pesa 40kg. Juntas, você e sua mala pesam 100kg. A atendente diz que sua mala está acima do peso e você deverá pagar a mais por isso (algo na casa de R$120). A pessoa imediatamente atrás de você na fila é um homem que pesa 80kg e está carregando uma mala idêntica à sua, só que com roupas e por isso só pesa 20kg. A mesma atendente deseja a ele uma ótima viagem. Reparem que o homem pesa mais do que a mulher, mas o peso total transportado pela empresa aérea é o mesmo: 100kg. Ambas as malas tomam o mesmo espaço físico e cada um tem o direito a um único assento e à mesma comida. Só que a mulher pagará muito mais por sua viagem. Justo? O homem dirá que sim, já que ele não tem culpa de ter nascido homem ou de ela ter nascido mulher, e muito menos de ela ter decido levar uma mala cheia de livros. Mas a mulher dirá que não, já que não é culpa dela ele ter nascido homem e ela mulher. E, afinal, o custo para transportá-los e o mesmo para a empresa. Afinal, a lei está discriminando a mulher ou incluindo o homem?
E se não é algo que dê para mudar? É justo obrigar a mulher a pagar a mais pelo homem sentado a seu lado no avião? E se houver consequências para terceiros? É justo, por exemplo, forçar uma empresa a correr o risco de perder clientes porque o seu serviço de atendimento telefônico é obrigado a empregar pessoas com um determinado sotaque que não agrada aos clientes? Ou obrigar a empresa de consultoria a correr o risco de ter menos clientes porque seus consultores não têm uma aparência que atrai os potenciais clientes?
Um dos papéis da lei é mudar o comportamento das pessoas. Por exemplo, a maior parte das pessoas, hoje, usaria o cinto de segurança ainda que não houvesse lei. Mas quando o uso passou a ser obrigatório, na década de 90, quase ninguém usava. A lei nos educou. Mas e se a lei levar a empresa à falência antes que as pessoas se adaptem à nova realidade? Seria justo colocar em risco o trabalho de muitos pela inclusão de alguns? No caso do cigarro, restringimos o direito à liberdade de alguns fumarem onde queriam para beneficiar a maioria. Ou é mais injusto excluir alguns, como, por exemplo não gastar dinheiro público adaptando os ônibus para transportar os cadeirantes?
Há ainda poucas leis – cadeirantes, fumo, racismo e preconceito, gestantes, cinto de segurança – que tratam do assunto, e como as matérias acima deixam claro, esse é um assunto que está apenas começando a ser discutido no Brasil.
* Como esse é um segredo bem guardado pelas empresas aéreas, segue como calcular o custo por quilo transportado mencionado acima (apenas para os muito curiosos e que gostam de matemática):
As contas variam de avião para avião, de distância para distância e de kilo extra por kilo extra. Por isso o exemplo abaixo é apenas indicativo. Para uma viagem nacional (SP-RJ, por exemplo) o custo seria muito maior pois a maior parte do combustível é gasta na decolagem, e os aviões (que fazem rotas nacionais) são menos eficientes no uso de combustível do que os aviões maiores, que fazem rotas internacionais. Por isso, quanto mais curta a rota ou menor o avião, maior o custo por quilo transportado. O exemplo abaixo, portanto, é uma estimativa muito conservadora:
Passo 1:
Temos que descobrir o peso de um avião. Segundo a Boeing, o Boeing 777-200 pesa, quando operando vazio, por volta de 136 toneladas (300 mil libras).
Passo 2:
Se quisermos decolar com 45 toneladas (100 mil libras) de carga paga (chamado em inglês de payload, que é a soma de passageiros mais bagagens), temos que abastecer o avião com mais 9 toneladas de combustível. A tabela abaixo mostra como fazer a conta: no eixo horizontal, encontramos as 3.500 milhas náuticas, que é a distância a ser percorrida. Quando o avião está vazio, ele pesa 136t (ou 300 mil libras. Eixo à esquerda, na última linha da tabela abaixo). Nessas circunstâncias (sem passageiro ou bagagem), ele precisa de 45t (100 mil libras) de combustível para percorrer as 3.500 milhas. Quando colocamos mais 45 toneladas de carga paga (100 mil libras), seu peso total pula para 181t (400 mil libras). Para continuar voando as mesmas 3.500 milhas náuticas, ele agora vai precisar de mais combustível, já que estará carregando mais peso. Quanto? Se olharmos onde as setas estão apontando na tabela abaixo, veremos que seu peso total (linha azul) subiu 55t (de 181t para 236t). Como sabemos que colocarmos apenas 45 toneladas de carga paga, a diferença – 10t – é de combustível.
O site da IATA informa que a tonelagem métrica de combustível custa atualmente, em média, US$ 992,50 (combustível em equipamentos de precisão, como aviões e carros de fórmula 1, é medido em peso e não em volume, já que o volume varia com temperatura e pressão, duas coisas que variam muito em aviões). Como vamos precisar de 10 toneladas extras de combustível, teremos que desembolsar US$9.925 em combustível para levar as 45 toneladas de passageiros e bagagens do Rio até Miami.
Passo 4:
Isso dá cerca de US$0,22 gasto em combustível por quilo extra no trajeto, o que é equivalente a R$0,35 no câmbio atual.
Passo 5:
Para saber o custo a mais de transportar alguém que pesa 20kg a mais no trecho Rio-Miami em um Boeing 777-200 basta, então, multiplicar 20kg x R$0.35 por quilo = R$7. (Como última curiosidade, as empresas aéreas cobram, atualmente, cerca de 0,5% da tarifa cheia da classe econômica por quilo excedido. Algo como R$15,65 para o trecho usado no exemplo acima)